segunda-feira, 19 de maio de 2014

UM PODER


Sumiram os polivalentes! Poderosos amantes da arte do não-cansar-se-de-aprender-e-fazer. Não foram ao deserto meditar, tampouco à floresta, como ermitões cansados da vida cotidiana, que tanto difunde e impinge sucesso, retorno e outros mais inerentes (não ao capitalismo, mas...) ao ser humano em sociedade. Parei-me perguntando outro dia aonde foram e descobri onde eles estão: estão junto com todos os momentos/gestos/realidades que também já não se veem mais.

Da janela (“eu vejo a rua onde ela caminha todo dia...” [música show de bola {parêntesis dentro de parêntesis = operação matemática}]) vê-se qualquer coisa. Opa! Vê-se, não. Via-se! Hoje, de qualquer janela – seja a do carro, do ônibus, seja o espelho da motocicleta (uma janela pela qual se vê o que vai ficando pra trás [mas isso dá outra crônica, não a de hoje]) – não se vê mais qualquer coisa: a janela não nos mostra mais tanta diversidade, embora essa palavra tenha ganhado até bandeira composta por diversas cores.

As janelas nos acessam uma realidade monótona: veículos/pedestres indo numa direção; outros voltando na direção contrária; gente às portas das lojas indecidindo se entra ou não; gente às portas das lojas convidando (com uma pitada de “obrigação”) os indecisos das portas; gente no chão estendendo a mão... Enfim a realidade é sempre a mesma nas janelas das ruas. E nas de casa também...

As janelas de casa já não dão mais para a rua: os muros postam-se entre o espectador e o palco. O espectador não teria por que e provavelmente nem coragem de assistir à peça transeunte. Os transeuntes não têm mais por que (e nem coragem) de participar da peça que se passa na rua: o suspense é por demais intimidador, muito embora, quando a tragédia acontece, os veículos/pedestres param, olham... os ônibus ficam lotados de passageiros no lado da janela que mostra o trágico... “o bar mais perto depressa lotou, malandro junto com trabalhador...” (uma música de 1975 que parece falar de 2014).

Recorro à música novamente: “contra a tradição a contradição”! (“Clichê inédito”!)

Sempre há algo no meio do tudo ou no meio do nada que é diferente.

Nem tudo é inerte, José Newton!

Sempre há um que faz um todo pensar e recusar-se da participação na construção das prisões às quais encarceramo-nos a nós mesmos. Sempre há um que faz um todo rir e perceber que não é a graça da piada que faz rir, nem como foi contada, mas sim a forma como foi ouvida (isso se estende às declarações de amor). Sempre há um que, no ônibus, não se levanta para ver, da janela, o acidente que acontecera. Sempre há um que se recusa a aumentar o tamanho do seu muro e abre as portas do coração (já que nunca se fez coisa tão certa, não é Vinicius?!). Sempre há um que faz um todo parar e escapar da inércia. Sempre haverá um que faz um todo amar.


Onde estão os polivalentes e os gestos de bondade de humanidade e amor que não mais se veem?! Procure uma janela para encontrá-los... a janela mágica se chama espelho.

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