sábado, 29 de março de 2014

CAMINHAR É PRECISO


Há que se correr para sobreviver. Nem mesmo as metáforas são criadas com uma inspiração caminhante... não se caminha mais rumo ao sol: corrida pelo ouro, corrida espacial, corrida presidencial. “Devagar se vai ao longe” está muito aquém da corrida, a essas alturas.

Caminhando outro dia percebi que, na verdade, eu corria. Passo lento já não é mais possível nos tempos atuais, nas tardias horas, nas sombrias ruas. Sabiamente, o pregador falava depressa, contestando a fé dos que passavam correndo, sem dar-lhe a atenção que ele considerava merecer. Sobriamente, nem o bêbado se deixava cair: cambaleando, ele corria. Seriamente, os vendedores exigiam a pressa dos clientes, senão o produto logo acabaria...

Tudo são corridas. Solitárias? Talvez. Difíceis? Certamente.

Não só corre ao nosso lado quem sente falta de aventura. Não socorre à fadiga quem, de fato, está sadio. Não as corridas, mas os corredores geram inconsistências logicamente egoístas: ajudo-te a me ajudar se você me der ajuda. Mas interesse não é egoísmo e solidão não é correr sozinho: é correr por nada; e, usando a lógica, que mesmo não cabendo nas metáforas, arrisco: nada corre por/para nada.

O rio não corre POR correr. Há uma força que o move e que o leva PARA algum lugar: o mar. Os amigos não se juntam para tocar POR tocar: eles escrevem um pouco de alegria nos acordes – inclusive os desafinados – e nos tempos – inclusive os mal contados. Tudo é música e tudo serve PARA algo.

“Toda caminhada começa com o primeiro passo”. E as corridas? Nascem de caminhadas? Quem sabe? Quem sabe corre ou caminha?

Se todos estão correndo ou todos estão caminhando é uma questão que depende do referencial. Correndo a vista um pouco, meu referencial me diz que todos correm – exclusive a minha vista, que, lenta, não acompanha todas as corridas. Caminhando por aí vejo que muitos correm e os que não correm estão parados, esticando as mãos, pedindo aos que correm. Mas há ainda os que, para pedir, correm e os que correm porque pediram (e os que correm para não pedir ou correm porque não pediram).

Na corrida pelo sucesso, pelo momento certo, pelo melhor lugar, pelo menor preço... muita gente fica para trás, muita gente é empurrada para o lado e acaba ficando para trás. Às vezes, até quem mais corre e chega primeiro foi, na realidade, passado para trás.

Caminhar é preciso para entender por que e para que corremos. Caminhar é preciso para ver o que é possível fazer pelos que não conseguem correr. Caminhar é preciso para entender com precisão o que não tem explicação.


Todos correm, menos você... pelo menos no curto espaço de tempo que você para de correr para ver quem mais não corre: ninguém.

CANTO I


Espero-te na calçada da ilusão
Subitamente, na minha frente
Eis que surge Ela
A doce donzela...
Vejo-te defronte, em vão
Vai-se... Se vai lentamente
De plácidos passos dançantes
E tão rápido chega ao longe
Indo...
Chega ao fim sem se ver
Vê-la seria desenlace
Soluçando desce seco
Pois de repente só te vejo em meu coração.

O HÁBITO NÃO FAZ O MONGE!


O hábito da loucura é fugir da lucidez
O hábito da vontade é sentir de quando em vez
O hábito da preguiça é acordar depois das 6
O hábito da menstruação é aparecer de mês em mês
O hábito do bandido é dizer que nunca fez
O hábito da mentira é a gaguez
O hábito do sexo é a nudez
O hábito de Teresina é o calor...quis dizer, é o piauiês
O hábito do enganoso é ser cortês
O hábito do impaciente é não saber esperar a vez
O hábito do arrogante é a estupidez
O hábito do desamor é a rispidez
O hábito da virtude é a não solidez

O hábito da culpa é a negação
O hábito da estrada é a contramão
O hábito da crença é a contrição
O hábito do protesto é a dispersão
O hábito do infiel é a traição
O hábito da perda é a consolação
O hábito da existência é a distinção
O hábito do pecado é redenção
O hábito do desejo é a atração
O hábito da tristeza é a solidão
O hábito do oculto é a interrogação
O hábito da certeza é a revisão
O hábito do sentido é a intuição
O hábito da ideia é a inovação.