Há que se correr para sobreviver. Nem mesmo as metáforas são
criadas com uma inspiração caminhante... não se caminha mais rumo ao sol: corrida
pelo ouro, corrida espacial, corrida presidencial. “Devagar se vai ao longe”
está muito aquém da corrida, a essas alturas.
Caminhando outro dia percebi que, na verdade, eu corria.
Passo lento já não é mais possível nos tempos atuais, nas tardias horas, nas sombrias
ruas. Sabiamente, o pregador falava depressa, contestando a fé dos que passavam
correndo, sem dar-lhe a atenção que ele considerava merecer. Sobriamente, nem o
bêbado se deixava cair: cambaleando, ele corria. Seriamente, os vendedores
exigiam a pressa dos clientes, senão o produto logo acabaria...
Tudo são corridas. Solitárias? Talvez. Difíceis? Certamente.
Não só corre ao nosso lado quem sente falta de aventura. Não
socorre à fadiga quem, de fato, está sadio. Não as corridas, mas os corredores geram
inconsistências logicamente egoístas: ajudo-te a me ajudar se você me der
ajuda. Mas interesse não é egoísmo e solidão não é correr sozinho: é correr por
nada; e, usando a lógica, que mesmo não cabendo nas metáforas, arrisco: nada
corre por/para nada.
O rio não corre POR correr. Há uma força que o move e que o
leva PARA algum lugar: o mar. Os amigos não se juntam para tocar POR tocar:
eles escrevem um pouco de alegria nos acordes – inclusive os desafinados – e
nos tempos – inclusive os mal contados. Tudo é música e tudo serve PARA algo.
“Toda caminhada começa com o primeiro passo”. E as corridas?
Nascem de caminhadas? Quem sabe? Quem sabe corre ou caminha?
Se todos estão correndo ou todos estão caminhando é uma
questão que depende do referencial. Correndo a vista um pouco, meu referencial
me diz que todos correm – exclusive a minha vista, que, lenta, não acompanha
todas as corridas. Caminhando por aí vejo que muitos correm e os que não correm
estão parados, esticando as mãos, pedindo aos que correm. Mas há ainda os que,
para pedir, correm e os que correm porque pediram (e os que correm para não
pedir ou correm porque não pediram).
Na corrida pelo sucesso, pelo momento certo, pelo melhor
lugar, pelo menor preço... muita gente fica para trás, muita gente é empurrada
para o lado e acaba ficando para trás. Às vezes, até quem mais corre e chega primeiro
foi, na realidade, passado para trás.
Caminhar é preciso para entender por que e para que
corremos. Caminhar é preciso para ver o que é possível fazer pelos que não
conseguem correr. Caminhar é preciso para entender com precisão o que não tem
explicação.
Todos correm, menos você... pelo menos no curto espaço de
tempo que você para de correr para ver quem mais não corre: ninguém.


